Não sei quantas almas tenho

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: <>
Deus sabe, porque o escreveu.

Fernando Pessoa

Comentários

Nilton Braga disse…
Minha Princesinha...

Bem sabes que tens duas almas?
dani disse…
mas e aí? cobraram um parecido também? fiqeui chocada!
HIPOLYTUS disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
HIPOLYTUS disse…
O poeta, provavelmente na sua angústia existencial 'pira' com os muitos eus, que ao longo da vida adquirimos. Mas, todos eles, são a mesma pessoa idiossincrasiamente falando. Eu, me estranho. Tu, te estranhas. Ele, ...
O mais importante, é estar louco e não se deixar tomar por completo pelo desvario abissal da psiquê.
Através das janelas dos nossos olhos um mundo infindo de paisagens se espreiam.
Quantas vêzes não fomos acometidos por uma paranóica hanseníase/paralisante que entorpeceu a nossa ânima?
Por isso, o melhor que temos a fazer, é rasgarmos as mal traçadas linhas de nossas histórias findas. Afinal, o que ficou posto, ficou. O negócio, é reescrevermos o roteiro de nossas vidas atuais. O resto que se exploda!
Viver, é o mais lindo dos poemas. Aquilo que toca. Eleva e encanta. Então, sejamos os mais pueris possíveis e deixemos as penosas elucubrações aos que não tiveram tempo ou não quiseram se conhecer mais amiúde.